Desejo a mim mesma a minha dor, entendendo que ela é, só minha e que saberei, sempre, atravessá-la respeitando seu compasso, respeitando minhas lágrimas. Negar a dor não a faz desaparecer. Saber um outro lugar onde colocá-la, pensar na possibilidade de reinventar essa dor e atravessá-la sem jogar "o sujo embaixo do tapete." nem tampouco tamponar um vazio que precisa ser refletido e elaborado... Quem sabe assim posso dar lugar para as alegrias? Quem sabe meu coração venha palpitar nos olhos?
Que eu não tenha medo do silêncio e possa me afastar da vida ruidosa. Ficar descolada da superfície das coisas, da pressa dos gestos,da avidez do descartável e do barulho das relações pautadas na aparência. Espero merecer um tempo de profundidades.
Desejo a contenção em vez de esbanjamento, algo como trocar a qualidade pela quantidade, substituir o voo rasteiro pelo sobrevoo dos abismos. Quero um tempo em que eu possa cair em área sagrada, como diria Clarice Lispector. Tempo de felicidade, mas não precisa ser a qualquer custo nem o tempo todo. Bastam-me os dias em que eu não viole as coisas nem coisifique as pessoas, mas antes possa abrangê-los com um olhar complacente. Afinal, como sugere Guimarães Rosa: "Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma. Felicidade se acha é só em horinhas de descuido."
Quero a sutileza dos aprendizados que não cessam com o passar do tempo. Aprender a cadência dos afetos, a voejar sobre o precipício, a surpreender-me com o aparentemente banal
E se por acaso eu chorar nas madrugadas, quero a certeza de que as lágrimas me darão uma inefável sabedoria.
Descobrir-me e saber continuar-me, eis o que quero.
Um outono dentro de mim e horas que me permitam o olhar apurando os tantos horizontes, numa jornada em que possamos cuidar de nós mesmos e uns dos outros longe das defesas maiores.
Tecer um ninho e saber fazê-lo universal.
Desejo, se a vida me despedaçar, ter sabedoria para respeitá-la com uma profunda serenidade e sem perder as cores das minhas tintas.
Desejo muitos sóis, daqueles que docemente é possível sentir pela luz maior. Mas não pretendo negar a chuva nem olvidar os sentidos da escuridão.
Suportar, se necessário for, a falta dos meus amados; saber da saudade e renascer, triunfante, na lembrança imorredoura daquele tempo em que aprendi a caminhar sobre a linha ébria da vida.
Leda Almeida Guerra,
Livro Aquém Sol, Além-Mar, páginas; 52,53
Editora Bagaço
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