domingo, 31 de julho de 2011

A escravidão das máscaras - Malcolm Montgomery


O que percebemos no universo feminino (é claro que existem exceções), dentro dessa cultura cristã e patriarcal, é que poucas mulheres têm coragem de ser elas mesmas. A maioria adota papéis, veste máscaras e usa disfarces.

- Não faça cara triste - diz a "mamãe". - Ninguém vai gostar de você. Ponha um sorriso nesse rosto. Seja gentil. E não suje o seu vestidinho.

E, assim, usamos gestos ensaiados. Cobrimo-nos de máscaras para ser amados.

Estas máscaras transferem-se para o corpo, pois a criança acredita que essa "im"postura conquista a aprovação e o amor dos pais.

Essa representação é cotidianamente reprisada até a adolescência. Continua na fase adulta e pelos anos afora, numa vida sem graça, brilho ou poesia.

Nossos campos sensoriais são moldados por forças familiares e sociais.

Quanta energia é gasta nesses scripts!

Não temos a noção do desgaste de viver um roteiro alheio a nossas aspirações mais profundas, indiferente aos líricos anseios pessoais de cada um de nós!

Uso o termo lírico porque a poesia está em viver o que é nosso.

Aí tem lirismo, criatividade e brilho. Porque é seu.

Todo gasto extra é usado nas personas, nos disfarces e nas caricaturas. Pouco sobra para o prazer.

É o atalho mais rígido para marcar um encontro no futuro com a depressão e o pânico.

Esse desgaste crônico vai acabando com as substâncias químicas responsáveis pelo prazer e pela motivação de vida, os chamados neurotransmissores (sobretudo a noradrenalina e a serotonina).

Após 30/35 anos, esses personagens adotados na infância começam a cansar.

Diversas mulheres tentam livrar-se deles desesperadamente tomando antidepressivos e ansiolíticos. Esses dois comprimidos, um para combater a depressão e o outro, a ansiedade, são hoje os medicamentos mais consumidos no mundo.

As aparências enganam

Conhece aquela moça que é a alma da festa?

No consultório, ela me confidenciou a sua dificuldade em ter orgasmo com o namorado por falta de coragem para se comunicar.

Para ele, demonstra orgasmos cósmicos. Sozinha, no seu quarto, chora suas tristezas.

Em público ilumina-se como uma lâmpada de mil watts.

Quando era criança, ela usou um vestidinho alegre para ganhar o amor e a aprovação dos pais.

Hoje, com 23 anos, ainda não se libertou desse script. Ainda desempenha esse papel. Parece-lhe que é a única forma de sua sexualidade e sua feminilidade serem aceitas por um homem.

Então, vamos colocar na cabeça o velho ditado: "As aparências (imagens) enganam".

Mais vale uma gordinha feliz e orgásmica do que uma Marilyn Monroe infeliz, deprimida e suicida.

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem.

"A bailarina", Chico Buarque e Edu Lobo

Mas, procurando bem, até a bailarina tem!

Texto extraído do livro
MULHER: O negro do mundo; de Malcolm Montgomery
Editora Gente

domingo, 24 de julho de 2011

Casa Arrumada - Carlos Drummond de Andrade


Casa arrumada é assim:

Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.

Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas…

Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida…

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.

Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.

Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.

Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.

Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto…

Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos…
Netos, pros vizinhos…

E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca
ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias…
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…
E reconhecer nela o seu lugar.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 16 de julho de 2011

Uma carta de reflexão sobre a vida - Gabriel Garcia Márques

Escolhi compartilhar com vocês esta carta que Gabriel Garcia Márquez escreveu antes de sua morte, nos deixando belas palavras de reflexão sobre o quanto faria a mais, ou diferente se assim pudesse.
Esta mensagem vem nos estimular a vivermos o Aqui e o Agora da forma o mais plena possível, sendo verdadeiro para com os nossos setimentos e emoções, aproveitando cada oportunidade, cada dia que renasce com suas infintas possibilidades, para realizarmos com amor, ética, os nossos projetos de vida.







“ Se por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso mas pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem,
mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais,
porque entendo que por cada minuto que fechamos os olhos perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os outros param,
acordaria quando os outros dormem.
Ouviria quando os outros falam e
como desfrutaria um bom gelado de chocolate !

Se Deus me oferecesse um pouco de vida,
vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto não apenas o meu corpo, mas também a minha alma


Meu Deus,
se eu tivesse um coração,
escreveria o meu ódio sobre o gelo
e esperava que nascesse o sol.

Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre as estrelas de um poema de Benedetti
e uma canção de Serrat seria a serenata
que eu ofereceria à Lua!

Regaria as rosas com as minhas lágrimas
para sentir a dor dos seus espinhos
e o beijo encarnado das suas pétalas...

Meu Deus, se eu tivesse um pouco de vida...
não deixaria passar um só instante sem dizer
às pessoas de quem gosto que gosto delas.

Convenceria cada mulher
ou homem que é o meu favorito e
viveria apaixonado pelo amor..

Aos homens
provar-lhes-ia como estão equivocados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam de se apaixonar!

A uma criança,
dar-lhe-ia asas,
mas teria de aprender
a voar sozinha.

Aos velhos
ensinar-lhes-ia
que a morte não chega com a velhice,
mas com o esquecimento.

Aprendi que um homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo quando vai ajudá-lo a levantar-se...

Tantas foram as coisas que aprendi com vocês, os homens !
Aprendi que todo mundo quer viver em cima da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade
está em subir a encosta...

Aprendi que, quando um recém-nascido aperta,
com a sua pequena mão, pela primeira vez,
o dedo de seu pai,o tem agarrado para sempre.

São tantas as coisas que pude aprender com vocês,
mas não me irão servir realmente de muito,
porque, quando me guardarem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer...”

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Raul - Max Gehringer


Durante minha vida profissional, eu topei com algumas figuras cujo sucesso surpreende muita gente.

Figuras sem um vistoso currículo acadêmico, sem um grande diferencial técnico, sem muito networking ou marketing pessoal. Figuras como o Raul.

Eu conheço o Raul desde os tempos da faculdade. Na época, nós tínhamos um colega de classe, o Pena, que era um gênio.

Na hora de fazer um trabalho em grupo, todos nós queríamos cair no grupo do Pena, porque o Pena fazia tudo sozinho.

Ele escolhia o tema, pesquisava os livros, redigia muito bem e ainda desenhava a capa do trabalho - com tinta nanquim.

Já o Raul nem dava palpite. Ficava ali num canto, dizendo que seu papel no grupo era um só, apoiar o Pena.

Qualquer coisa que o Pena precisasse, o Raul já estava providenciando, antes que o Pena concluísse a frase. Deu no que deu.

O Pena se formou em primeiro lugar na nossa turma. E o resto de nós passou meio na carona do Pena - que, além de nos dar uma colher de chá nos trabalhos, ainda permitia que a gente colasse dele nas provas.

No dia da formatura, o diretor da escola chamou o Pena de 'paradigma do estudante que enobrece esta instituição de ensino'.

E o Raul ali, na terceira fila, só aplaudindo.

Dez anos depois, o Pena era a estrela da área de planejamento de uma multinacional.

Brilhante como sempre, ele fazia admiráveis projeções estratégicas de cinco e dez anos.E quem era o chefe do Pena? O Raul.

E como é que o Raul tinha conseguido chegar àquela posição? Ninguém na empresa sabia explicar direito.

O Raul vivia repetindo que tinha subordinados melhores do que ele, e ninguém ali parecia discordar de tal afirmação.

Além disso, o Raul continuava a fazer o que fazia na escola, ele apoiava.
Alguém tinha um problema? Era só falar com o Raul que o Raul dava um jeito.Meu último contato com o Raul foi há um ano. Ele havia sido transferido para Miami , onde fica a sede da empresa.

Quando conversou comigo, o Raul disse que havia ficado surpreso com o convite. Porque, ali na matriz, o mais burrinho já tinha sido astronauta...
E eu perguntei ao Raul qual era a função dele. Pergunta inócua, porque eu já sabia a resposta.O Raul apoiava. Direcionava daqui, facilitava dali, essas coisas que, na teoria, ninguém precisaria mandar um brasileiro até Miami para fazer.

Foi quando, num evento em São Paulo , eu conheci o Vice-presidente de recursos humanos da empresa do Raul.

E ele me contou que o Raul tinha uma habilidade de valor inestimável:... ELE ENTENDIA DE GENTE!

Entendia tanto que não se preocupava em ficar à sombra dos próprios subordinados para fazer com que eles se sentissem melhor, e fossem mais produtivos.

E, para me explicar o Raul, o vice-presidente citou Samuel Butler, que eu não sei ao certo quem foi, mas que tem uma frase ótima: "Qualquer tolo pode pintar um quadro, mas só um gênio consegue vendê-lo".
Essa era a habilidade aparentemente simples que o Raul tinha, de facilitar as relações entre as pessoas.

Perto do Raul, todo comprador normal se sentia um expert e todo pintor comum, um gênio.Essa era a principal competência dele.

"Há grandes Homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas, o verdadeiro Grande Homem é aquele que faz com que todos se sintam Grandes".

Autor: Max Gehringer - CBN