Ainda não dá para mudar de assunto, por mais triste que seja continuar. Primeiro, o choque da chacina;
agora, o impacto dos manuscritos revelados pelo "Fantástico". Antes, muitas hipóteses haviam sido levantadas na busca de explicação para a tragédia de Realengo e para a motivação do atirador: fácil acesso às armas, falta de segurança na escola, fanatismo religioso, cultura da violência, vingança. A influência de cada um desses fatores no massacre variava conforme a visão de quem analisava. A isso veio se juntar o que foi alegado ou o que se depreende dos escritos deixados pelo suicida: humilhação, rejeição, a inspiração do 11 de setembro de 2001, a má interpretação do Alcorão, os ensinamentos da internet de como conseguir munições, o transtorno mental, as perseguições ou bullying.
Mas como essas possíveis causas não são excludentes, o mais provável é que o fator determinante tenha sido a explosiva conjugação de todas elas, convivendo numa cabeça atormentada e perigosa.
A primeira dificuldade de entender o que significam os textos do assassino é descobrir onde termina a realidade e começa a fantasia, o que é literal e o que é delírio. A ambiguidade está sempre presente. É uma escrita com erros de ortografia, mas com fluência, que grafa "escelência", mas usa termos mais ou menos cultos ("ícone", "meditação", "infiéis"). Uma mente tumultuada, mas que persegue com lógica o seu objetivo - tanto que conseguiu. Numa das cartas, ele denuncia como álibi: "Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por um grupo e todos (...) se divertiam com as humilhações que eu sofria." Parece que não há registro disso na Tasso da Silveira, mas um antigo colega de turma de Wellington em outra escola relatou para os repórteres Mariana Belmont e Vinicius Lisboa dois episódios capazes de deixar sequelas no ego de uma personalidade equilibrada, quanto mais no de uma transtornada.
No primeiro, "três garotos enfiaram a cabeça dele no vaso sanitário". No segundo, "vi jogarem o cara de cabeça para baixo dentro de uma lata de lixo e tamparem". Segundo a testemunha, ele teve que balançar a lata e derrubá-la para sair. Não protestou, preferiu armazenar a raiva. Nenhum desses supostos abusos justifica o que ele fez dez anos depois, e contra outra escola, até porque há ocorrências diárias de bullying em todo o mundo, e as chacinas são exceção. Mas podem ter contribuído. Assim, da mesma maneira que se pensa em promover o desarmamento, seria a hora de repensar a questão da violência interna nos colégios. Fala-se muito em detector de metais na entrada, em guardas no portão, em aumentar enfim o policiamento. Fala-se pouco em combater, por meio de um controle rígido com inspetores e câmeras, esse provedor de ódio que é o bullying.
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